Por Dirceu Cardoso Gonçalves*
Militares não podem fazer greve. Em qualquer parte do mundo, quando o colapso tiver se abatido sobre os demais setores ainda restarão os militares para socorrer e apoiar a população. É com base nessa tradicional verdade que o governo do Rio prendeu 439 bombeiros que, em protesto por melhores salários, ocupavam a sede da corporação. A operação, realizada pelo BOPE (Batalhão de Operações Especiais) foi cinematográfica e indevida, principalmente em se tratando da repressão entre duas forças co-irmãs, cuja natureza das missões as obriga a trabalhar unidas. O uso político-trabalhista de uma delas criou seqüelas que dificilmente serão superadas, maiores até do que as resultantes do confronto entre policiais civis e militares paulistas, ocorrido anos atrás nas proximidades do palácio do governo, cujas dores até hoje são sentidas por ambas as partes.
Sabedores de que os militares não podem fazer greve – e se o fizerem ficam sujeitos às punições disciplinares e até à demissão – governantes têm sido negligentes com os salários da classe. Isso tem produzido extrema inquietação nos quartéis e prejuízos incalculáveis à segurança pública e outros serviços essenciais sob responsabilidade militar. Não podendo manter um padrão de vida razoável, parte dos militares baixa o padrão de vida, outros recorrem ao “bico” e uma pequena parcela se entrega à corrupção e ao crime. E quem perde é a sociedade, que paga impostos para ter segurança e não a tem no nível e na medida esperadas.
O quadro salarial dos policiais e militares da maioria das unidades da federação é tão defasado que os governos, sem força moral para fazer cumprir os regulamentos, faz vistas grossas ao “bico”, permitindo que o policial, formado e permanentemente treinado com recursos públicos, nas suas folgas, em vez de descansar, vá utilizar sua força profissional como porteiro ou segurança de estabelecimentos, motorista de executivos ou outras atividades de alto risco onde muitos deles já perderam a vida. Agora inventa-se a tal “atividade delegada”, onde as prefeituras contratam policiais de folga e lhes complementam o deficiente salário pago pelo Estado.
Durante toda a nossa trajetória, mantivemos uma posição legalista, combatendo as propostas de greve entre os militares. Os episódios do Rio, no entanto, conduzem ao raciocínio de que o limite de tolerância parece ter chegado ao fim. Os militares grevistas e o governo carioca caminham para um sério impasse, e o movimento pode alastrar-se para outros estados com o mesmo problema salarial. Seria mais econômico e menos sofrido se os governos atendessem, pelo menos parcialmente, as reivindicações da classe antes da chegada da avalanche.
*Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves é dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) - aspomilpm@terra.com.br
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